A 7ª Câmara de Direito Público do TJSP ignora a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Ao não considerar candidata a concurso público submetida a GASTRECTOMIA TOTAL como pessoa com deficiência.
A 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, em Acórdão proferido em 14 de agosto de 2017, decidiu como improcedente a ação movida contra Fazenda do Estado de São Paulo, objetivando declaração de nulidade do ato administrativo que excluiu candidata gastrectomizada total - retirada cirúrgica total do estômago - de concurso público para provimento do cargo de escrevente técnico judiciário do TJSP em vaga reservada para pessoa com deficiência.
A autora foi aprovada em todas as fases do certame, porém, a perícia médica administrativa desconsiderou-a portadora de deficiência física.
Contraditoriamente, a referida decisão afirma ipsis letteris: "Como se vê, a gastrectomia não se enquadra no conceito de deficiência física, não equivalendo “remoção de órgão” a “alteração de segmento do corpo humano”."
Tal raciocínio, mostra-se ilógico, pois, vejamos, uma gastrectomia total, que cirurgicamente retira um órgão inteiro, equivale, certamente, a "remoção de órgão". Desta forma, impossível esta remoção cirúrgica de um órgão inteiro como o estômago, não causar alteração de segmento do corpo humano.
O Acórdão prossegue afirmando: "Nessa ótica, a extração da vesícula (colecistectomia), de um rim (nefrectomia), do útero (histerectomia) e até mesmo a remoção das amígdalas, ao mesmo tempo em que proporcionaria a cura de uma enfermidade transformaria a pessoa em portadora de deficiência física; a própria cirurgia bariátrica seria vista como deficiência, o que certamente se afasta da intenção do legislador."
Analisemos esta "ótica" deprovida de proporcionalidade dos nobres desembargadores!
Uma gastrectomia total é procedimento que altera totalmente o trato digestivo. O alimento que deveria ir para o estômago, que tem sua função específica na digestão, passa a cair direto no intestino. Com isso, haverá síndrome dasabsortiva, Síndrome de Dumping, deficiência de vitaminas, minerais e alterações funcionais do trato digestivo e, consequentemente, de todo o organismo. Até o mais leigo em medicina terá a percepção clara que tal amputação/mutilação acarretará alteração anatômica e funcional.
Obviamente, não se pode comparar uma gastrectomia total com uma remoção de amídalas! Tal comparação é bizarra, mas mais do que isso, é cruel e representa o máximo do pensamento solipsista.
Impossível, igualmente, compará-la com extração de vesícula, útero, que são órgãos que não trazem alterações funcionais significativas. E mais, não se pode comparar com extração de um rim, pois, apesar de ser órgão vital, trata-se de órgão duplo, extraindo-se um, ainda temos o outro, que exercerá a função pelos dois, mas na ausência dos dois, não é possível a sobrevivência.
Da mesma forma não se pode comparar tal procedimento com uma cirurgia bariátrica, pois nenhuma das técnicas atualmente autorizadas pelo Conselho Federal de Medicina remove totalmente o órgão, mas apenas parte deste, ou promove-se a modificação cirúrgica do trânsito intestinal em pacientes obesos mórbidos. São técnicas possíveis de reversão, sendo impossível, por óbvio, à gastrectomia total.
Em decisão contrária à da 7ª Câmara de Direito Público, a Primeira Turma do Tribunal Federal da 5ª Região - Remessa Ex Officio REO511532/CE - considerou um gastrectomizado total como pessoa com deficiência:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. BACEN. CANDIDATO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA FÍSICA. ARTS. 3º E 4º DO DECRETO 3.298/99. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO RECONHECIDA PELO RÉU. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 20, PARÁGRAFO 4º, DO CPCA deficiência apresentada pelo autor (imunodeficiência variável comum, tendo se submetido a uma gastrectomia total por adenocarcinoma gástrico), enquadra-se nas previstas no art. 4º, I, do Decreto nº 3.298/99, que determina a deficiência física por alteração parcial ou completa de um ou mais segmentos do corpo acarretando o comprometimento da função física. Reconhecida, pois, a condição de deficiente do autor, nos termos do art. 3º do Decreto nº 3.298/99, devendo lhe ser garantida vaga para o Cargo de Analista do Banco Central do Brasil [...]
Certamente, o Acórdão da 7ª Turma de Direito Público ignorou totalmente a Covenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil por meio de quórum qualificado e que, portanto, detém status de Emenda Constitucional (Promulgada pelo Decreto n.6.949/2009).
A saber, a Convenção e o recente Estatuto da Pessoa com Deficiência - Lei 13.146/2015, assim definem a pessoa com deficiência: “Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.”
Para finalizar e não deixar dúvidas, transcreve-se as palavras certeiras da sentença do juízo a quo do referido processo:
"Ora, não possuir estômago por certo é um impedimento de longo prazo de natureza física, o qual, em interação com diversas barreiras, certamente obstrui a participação plena e efetiva da autora na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas."
SEJAMOS JUSTOS!!!
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